O aumento substancial da dívida pública, a manutenção dos juros no seu piso histórico de 2% ao ano, mesmo com inflação em aceleração, e a desconfiança cada vez maior de que o País está à beira de um “populismo fiscal” realimentaram o debate sobre o risco de dominância fiscal no Brasil.
O tema é árido e pouco conhecido fora das rodas de debate econômico, mas tem repercussão direta no bolso dos brasileiros. Numa situação de dominância, as ferramentas que o Banco Central tem para controlar o avanço dos preços, entre elas a Selic, perdem potência, e seu uso pode até mesmo provocar o efeito inverso de impulsionar a inflação, dado o impacto que teriam no aumento do custo do endividamento da União.
Para abordar as saídas da crise fiscal provocada pela alta do endividamento do País, o Estadão começa a partir de amanhã uma série de entrevistas com especialistas. A primeira delas será com o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore.
Na dominância fiscal, é como se o BC estivesse numa encruzilhada. Se eleva os juros para conter a alta de preços, traz problema ao Tesouro Nacional, elevando ainda mais o endividamento e, no limite, abrindo a porta para mais inflação. Se não faz nada, a inflação pode ganhar força de qualquer maneira.
O diagnóstico atual é que o Brasil ainda não vive essa situação, considerada o pior dos mundos pelos economistas, uma vez que a aceleração da inflação força um ajuste fiscal pelo lado mais perverso: corroendo o poder de compra de famílias, sobretudo de menor renda. Mas os economistas alertam que é preciso agir com firmeza para mostrar compromisso com o ajuste nas contas públicas e fugir desse caminho.
A fotografia das finanças e do cenário político trouxe à tona a preocupação com a dominância, que já foi tema de debate na transição entre os governos FHC e Lula e em 2015/2016, no auge da crise durante o governo Dilma Rousseff. Tanto em 2002 quanto em 2016, as incertezas se dissiparam após sinalizações de compromisso com medidas de ajuste.
A perspectiva hoje é de que a dívida bruta do governo termine o ano em 96% do PIB e passe dos 100% em 2025, segundo o Tesouro, sendo que dois terços têm custo diretamente atrelado à Selic, a taxa básica de juros. O BC, por sua vez, tem sido cada vez mais cobrado a alterar sua prescrição futura para os juros, indicando possível aumento da Selic, diante da aceleração dos preços de matérias-primas e insumos para a indústria.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem reforçado em seus discursos a necessidade de ter “disciplina fiscal”. “É responsabilidade de todos entender que temos agora um problema”, disse ontem em entrevista à GloboNews.
O economista Carlos Kawall, diretor do Asa Bank e ex-secretário do Tesouro Nacional, explica que, numa situação de dominância, a própria alta da taxa de juros se torna contraproducente porque eleva ainda mais a dívida e amplia a desconfiança em relação ao problema fiscal. “Aí, a única solução é deixar a taxa de juros mais baixa, de tal forma que a inflação ao final se torne a maneira de ajustar as contas públicas.”
Já o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV e ex-diretor do Banco Central, alerta que só manter o teto não resolve. “Não adianta atacar um ou dois elementos da despesa, tem de ser ‘arrasa quarteirão’. Frear as quatro rodas.”
O economista Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC e diretor da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), entende que a dominância fiscal seria uma “hipótese exagerada”. “Hoje nem sequer temos dinâmica inflacionária para se falar de dominância fiscal ocorrendo”, avalia.
Para o economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília, há risco de o Brasil chegar a uma situação de dominância fiscal. “A dívida está subindo muito, e não está claro como vai ser o próximo ano. As pessoas podem começar a achar que a dívida pode sair de controle, e isso abre a porta para a dominância fiscal.”
Fonte: https://exame.com/
Publicado em: 18/11/2020 às 09h36