Decisões são favoráveis à aplicação de justa causa por prática configurar violação à LGPD
A Justiça do Trabalho tem mantido demissões por justa causa de trabalhadores que usaram de forma indevida dados confidenciais de empresas ou clientes. As decisões, de primeira e segunda instâncias, consideram a prática como falta grave por configurar violação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Com a justa causa, o empregado perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) manteve demissão de empregada de uma distribuidora de medicamentos que teria encaminhado arquivos confidenciais para seu e-mail pessoal e para seu esposo, que é empregado de uma empresa concorrente. A trabalhadora, porém, negou ter agido de má-fé. Justificou sua conduta no fato de não conseguir abrir os arquivos em seu celular e que, por isso, repassou as informações ao esposo, que teria maior habilidade em manipular arquivos eletrônicos (processo nº 0000877-89.2022.5.11.0016).
Para o relator do caso na 1ª Turma, desembargador Alberto Bezerra de Melo, “orientando-se pelos preceitos constitucionais de proteção dos dados pessoais, o qual foi elevado à categoria de direitos fundamentais, passando a ser previsto no artigo 5º, LXXIX, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), tem-se que a conduta da autora [a empregada] mostrou-se desleal, em claro descumprimento das normas internas da reclamada”.
No Paraná, o TRT manteve demissão de uma teleatendente de call center que consultou sistema ao qual não lhe era concedido acesso, utilizando login e senha de terceiro, o que era terminantemente proibido. No caso, a relatora, desembargadora Rosemarie Diedrichs Pimpão entendeu que, “comprovando a ré nos autos a falta gravíssima praticada pela empregada, em afronta ao normativo interno da empregadora e à Lei nº 13.709/2018 (LGPD), sobressai acertada a decisão que entendeu proporcional e adequada a penalidade máxima aplicada para a rescisão contratual (processo nº 00000156520225090084).
Na decisão, a desembargadora cita caso análogo, analisado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi mantida pela 2ª Turma justa causa de trabalhador que teria encaminhado dados do e-mail corporativo para seu e-mail particular, mesmo sabendo que a prática não era permitida pela empresa (AIRR 523-05.2012.5.09.0652).
No TRT-SP, os desembargadores da 4ª Turma analisaram um caso sui generis. O trabalhador, um técnico de enfermagem, juntou aos autos documentos sigilosos que obteve por meio de seu acesso pessoal ao sistema de gerenciamento de internação do hospital para tentar o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.
A empresa, porém, em sentença, conseguiu reverter a rescisão indireta para uma demissão por justa causa. No recurso ao TRT-SP, ele alegou não ter cometido qualquer falta grave, esclarecendo que a suposta infração à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não produziu qualquer dano ao empregador. Mas não obteve sucesso (processo nº 1000143-09.2021.5.02.0081).
Segundo a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, a jurisprudência em todo o Brasil tem sido favorável às empresas quando há vazamento de dados, violando a LGPD. São normalmente, diz ela, processos relativos a funcionários que ocupam cargos em áreas estratégicas, como recursos humanos (RH), financeira, comercial e de tecnologia da informação. “Casos de divulgação de informações às quais eles têm acesso que podem prejudicar as empresas”, afirma.
Ela cita, como exemplo, um caso que acompanhou. Uma analista de recursos humanos não conseguiu, em primeira instância, reverter demissão por justa causa por ter compartilhado informações sigilosas e sensíveis da empresa e funcionários para seu e-mail pessoal, sem autorização. Além disso, foi condenada a pagar danos morais, fixados em R$ 10 mil com base no período contratual e a confidencialidade das informações compartilhadas (processo em segredo judicial).
Justa causa é abordada nos contratos e códigos de ética e compliance”
— Fabiana Fittipaldi
Na sentença, destaca a advogada, que defendeu a empresa, o juízo da 83ª Vara do Trabalho de São Paulo lembra que a empregada, como analista de RH, sabe que essas informações são sigilosas e confidenciais, não sendo permitido o compartilhamento fora do domínio da companhia.
Para a especialista, as empresas estão mais conscientes e se adaptando para não infringir a LGPD por meio de atos de seus colaboradores. Mas, acrescenta, devem fortalecer ainda mais os treinamentos em relação à legislação, em todos os níveis hierárquicos. Ela também sugere a assinatura de termo de confidencialidade com orientação sobre os riscos da quebra desse compromisso para todos os empregados, assim que são admitidos.
“As próprias empresas não tinham muita consciência de que poderiam aplicar a justa causa por esse motivo”, afirma Mayra. “Era comum, por exemplo, ver funcionários trocando informações sobre salário com os colegas na hora do cafezinho. Agora, os empregados começam a tomar mais cuidado.”
A advogada trabalhista Fabiana Fittipaldi, sócia do escritório PMMF Advogados, explica que a justa causa é abordada nos contratos de trabalho e nos códigos de ética e compliance das empresas. Algumas vezes, afirma ela, também é lembrada aos empregados por meio de mensagens na intranet. “Nos contratos de trabalho, buscamos incluir cláusulas que estabeleçam obrigações de confidencialidade por parte do empregado, justamente para resguardar a empresa em relação a eventuais violações da LGPD”, diz.
Apesar disso, de acordo com Fabiana, há alguns processos sobre o fornecimento de informações confidenciais para beneficiar determinados fornecedores ou prestadores de serviços, infringindo a LGPD e permitindo a demissão por justa causa.
A advogada Renata Yumi, do escritório Daniel Law, lembra que já era comum demissão por justa causa por desvio de documentação e, agora, esses casos também são analisados considerando a LGPD. “As empresas têm um risco a mais nesse tipo de situação, quando o documento envolve dados pessoais”, afirma ela, acrescentando que a LGPD é um argumento a mais para as empresas demonstrarem a má conduta do funcionário.
Fonte: Jornal Valor Econômico
30 de setembro de 2024