A informação consta do “O custo salarial da desigualdade racial”, lançado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Do montante total, racismo retira R$ 14 bi dos salários destes profissionais, estimam economistas em novo estudo
Diferentes estudos econômicos já provaram que trabalhadores negros recebem menos que os brancos e enfrentam mais dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, com taxa de desemprego bem superior. Mas qual é o tamanho do prejuízo causado por essas penalidades?
Essa foi a pergunta que levou economistas a calcular o custo da desigualdade de raça no Brasil. Segundo levantamento, trabalhadores negros e negras deixam de receber R$ 103 bilhões por mês em função da desigualdade racial. Desse total, R$ 14 bilhões se devem exclusivamente ao racismo.
É o que mostra o estudo “O custo salarial da desigualdade racial”, lançado nesta quinta-feira pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. A pesquisa buscou medir como a desigualdade racial e a discriminação afetam a renda dos trabalhadores negros no país.
O levantamento teve apoio da Open Society Foundations e foi realizado pelos pesquisadores Alysson Portella, Michael França e Rodrigo Carvalho.
Os economistas calcularam qual seria a massa salarial (soma de todos os rendimentos) dos profissionais negros caso recebessem o mesmo salário e tivessem o mesmo nível de empregabilidade dos brancos.
Desse total, eles mediram quanto se refere à discriminação e quanto se deve a outros fatores que resultam em desigualdade, como diferenças no acesso à educação, local de moradia e tipo de ocupação.
O cálculo chegou ao montante de R$ 102,63 bilhões. Trata-se da massa salarial total perdida pela desigualdade racial. Deste valor desperdiçado por mês, R$ 61,67 bilhões deixaram de ser recebidos pelos homens negros e R$ 41 bilhões pelas mulheres negras.
Em outras palavras, profissionais negros poderiam ter ganho mais R$ 103 bilhões do que o registrado na média do segundo trimestre de 2024, que foi R$ 121 bilhões.
“Nosso país é mais pobre por causa da desigualdade”, dizem os economistas no artigo.
O cálculo econométrico foi feito da seguinte forma: pesquisadores estimaram o peso de cada fator sobre o salário e empregabilidade, como experiência e raça, e simularam um cenário sem discriminação para ver quanto os negros receberiam.
A diferença entre o salário real e o ideal (sem discriminação) mostrou o prejuízo do preconceito, enquanto o restante das diferenças entre brancos e negros foi atribuído ao “efeito composição”, que inclui diferenças nas características dos trabalhadores, como tipo de emprego ou escolaridade.
A maior parte dos recursos perdidos vêm da desigualdade racial. No caso dos salários, corresponde a R$ 47,71 bilhões para os homens e R$ 24,23 bilhões para as mulheres. Já o efeito discriminação corresponde a cerca de R$ 8,85 bilhões e R$ R$ 5,78 bilhões para homens e mulheres, respectivamente.
A penalidade da empregabilidade, por sua vez, custou R$ 5 bilhões aos homens negros e R$ 11 bilhões para mulheres negras. O total responde por R$ 16,05 bilhões dos R$ 102,63 bilhões de massa salarial total perdida por esta parcela da população.
Num cenário sem nenhuma desigualdade, um trabalhador negro ganharia, em média, mais R$ 2.097,48 por mês, enquanto uma trabalhadora negra ganharia, em média, R$ 1.535,71 a mais. O efeito “racismo” corresponde a R$ 328 e R$ 296 no caso de homens e mulheres, respectivamente.
Alysson Portella, pesquisador do NERI e um dos responsáveis pelo levantamento, destaca que a perda de renda entre trabalhadores negros tem implicações profundas e intergeracionais. A menor renda recebida ao longo da vida profissional não só limita a acumulação de recursos, mas perpetua um ciclo de escassez de recursos e oportunidades para as gerações futuras.
— É um grande ciclo que vem se perpetuando ali desde a época da abolição. A população negra já sai em posição de desvantagem em termos socioeconômicos, que é um determinante importante para o sucesso das famílias. Famílias ricas investem mais nos seus filhos e eles têm uma performance melhor na escola. Então, essa perda inicial salarial se transmitir pelas gerações.
Disparidade histórica
A desigualdade no mercado de trabalho fica evidente nos dados de massa salarial levantados pelo estudo. Os homens brancos lideraram com uma massa salarial de R$ 100 bilhões, seguidos pelos homens negros, que somaram R$ 77 bilhões, e pelas mulheres brancas, com R$ 63 bilhões.
Já as mulheres negras, que enfrentam maiores barreiras, tiveram uma massa salarial de apenas R$ 44 bilhões.
A pesquisa utilizou como base as informações sobre massa salarial coletadas pelo IBGE, considerando a média mensal dos dados do segundo trimestre de 2024.
O estudo também traçou a evolução da massa salarial para homens e mulheres brancos e negros e chegou à conclusão de que as penalidades salariais devido à discriminação tem aumentado, especialmente após a pandemia. A massa salarial total perdida por homens e mulheres negros cresceu 13,28% entre 2023 e 2024.
“Ao contrário do que se esperava em termos de avanço social, as diferenças raciais no mercado de trabalho continuam fortemente presentes”, disseram os economistas.
Na visão de Portella, o estudo pode auxiliar na formulação de políticas públicas a fim de tornar mais igualitário o acesso e a inserção no mercado de trabalho. Para isso, são necessárias tanto políticas de combate à discriminação no mercado quanto políticas de combate à desigualdade racial:
— O que a gente chama de racismo estrutural ou sistêmico é justamente a combinação desses dois fatores (discriminação e desigualdade), que se complementam e se retroalimentam. A discriminação gera desigualdades, e as desigualdades ajudam a justificar posições preconceituosas e discriminatórias dos trabalhadores — conclui.
Fonte: Jornal O Globo
28 de agosto de 2024