Ministros debatem se pagamentos ao INSS feitos em atraso podem garantir regra de transição mais favorável
O STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir sobre a validade da contribuição dos trabalhadores autônomos após a reforma da Previdência de 2019.
A discussão é se a contribuição paga em atraso ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pode ser usada como tempo mínimo para que o segurado entre em regra de transição mais vantajosa —pedágio de 50% ou 100%— após a emenda constitucional 103, de 13 de novembro de 2019.
O posicionamento dos ministros valerá para todos os casos do tipo no país, já que a corte decidiu, no começo de outubro, que há repercussão geral no Tema 1.329. O julgamento ainda não foi marcado.
O tema tem dividido o Judiciário. A maioria das decisões, no entanto, é favorável aos trabalhadores e contra do INSS, que levou o caso ao Supremo, em recurso extraordinário.
No recurso, o instituto argumenta que o artigo 17 da reforma da Previdência define como tempo de contribuição mínimo para a aposentadoria apenas aquele efetivamente recolhido até a publicação da norma. E defende que o recolhimento posterior das contribuições em atraso não é válido nestes casos.
O caso em questão é de uma segurada do Sul do país, que entrou na Justiça para fazer o pagamento de alguns períodos de trabalho rural realizados entre os anos de 1991 e 1994, cujas contribuições não foram recolhidas na época.
A segurada ganhou em primeira instância, mas o INSS recorreu. A 1ª Turma Recursal do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) entendeu que ela tem o direito de pagar esse período em atraso —desde que comprove a atividade— e de utilizá-lo nas regras de transição da aposentadoria.
Com isso, a segurada de 52 anos conseguiria o benefício previdenciário pelo pedágio de 50%. Pela regra, mulheres com 28 anos de contribuição e homens com 33 anos de pagamentos ao INSS podem se aposentar ao trabalhar por mais metade do tempo que faltava.
Nestes depois exemplos, mulheres e homens trabalhariam mais três anos —dois que faltavam e um de pedágio— para se enquadrar na aposentadoria por tempo de contribuição, que garante benefício com 30 anos e 35 anos de INSS, respectivamente.
No posto, o instituto negou a aposentadoria, mas a Justiça mandou pagar o benefício a partir de novembro de 2022, quando foi feita a solicitação de forma administrativa. O instituto utiliza em sua defesa o que diz a portaria 1.392, de novembro de 2021, que regulamentou decreto da reforma da Previdência.
O documento diz que “recolhimentos realizados em atraso em data posterior ao período de trabalho não serão considerados” no caso dos pedágios de 50% e 100%.
Rômulo Saraiva, advogado especializado em Previdência e colunista da Folha, afirma que uma portaria não pode se sobrepor à lei, que garante o pagamento do INSS em atraso para contribuintes autônomos. “É uma portaria; a lei não fala isso nem a própria Constituição”, diz.
Segundo ele, ao recolher contribuições em atraso, trata-se de uma indenização ao INSS, algo que “historicamente” sempre foi possível. “Por que agora nesta última reforma não pode? É o embrião do desejo do INSS de criar algo que não tem fundamento”, afirma.
O advogado Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários) diz que a reforma da Previdência de 2019 não criou essa barreira.
“É uma tese muito plausível e sustentável juridicamente [a favor dos segurados], porque tem um artigo na lei 8.212, o artigo 45 A, que permite esse pagamento, e uma portaria não se sobrepõe. Fica aquela imagem de que as pessoas estão agindo de má-fé, mas não é isso; sempre foi permitido pagar”, afirma.
“O fato de a pessoa estar recolhendo em atraso não significa que ela não está cometendo uma fraude, ela está regularizando uma situação fiscal, com respaldo na lei, que obriga pagar nos últimos cinco anos, e se passar de cinco anos, pode indenizar.”
Para Saraiva, no entanto, o caso poderia ser resolvido no STJ (Superior Tribunal de Justiça) por se tratar de indenização ao INSS, não de questão constitucional, mas o Supremo entende que, por afetar a reforma da Previdência, que mudou a Constituição de 1988, a corte é que deve decidir sobre o tema.
Já Santos defende o julgamento do caso no Supremo e afirma que a repercussão geral vai “harmonizar” a jurisprudência.
Como funciona o pagamento do INSS atrasado
É possível recolher os últimos cinco anos não pagos ao INSS. Há atualizações monetárias e o segurado que vai fazer esse pagamento deve ficar atento porque, ao reconhecer uma dívida, terá de quitá-la sob pena de multa.
Para períodos de mais de cinco anos, é preciso provar o trabalho realizado com documentos e pagar os valores. Há incidência de outros encargos. Para períodos anteriores a 1996, não há multa nem juros.
Saraiva afirma que o INSS é muito criterioso com as provas, e solicita muitos documentos que provem a atividade. Além disso, a dívida costuma ser alta. “Fica caro pagar em atraso. Temos casos de gente que se defaz de carro para quitar suas obrigações previdenciárias”, diz.
Segundo Santos, o INSS devido após cinco anos é tratado como uma indenização à Previdência Social e tem o seguinte cálculo: faz-se a média dos salários desde 1994, descartando os 20%. Sobre essa média haverá juros e multa. Os juros são de 0,5% ao mês, limitados a 50% do valor da dívida.
“Em um caso em que o INSS mensal der R$ 600, por exemplo, eu pago no máximo R$ 300 de juros e uma multa de 10% sobre os R$ 600, o que dá R$ 60, somando R$ 960. Então um mês vai valer isso.”
Para períodos anteriores a 1996, não há juros e multa, só atualização. “Essa é uma possibilidade que sempre existiu.”
As contribuições pagas em atraso não contam como carência, que é a quantidade mínima de pagamentos mensais exigidas para solicitar um benefício previdenciário, caso sejam quitadas após o período em que o cidadão tem a qualidade de segurado.
Entenda o processo
O INSS irá decidir “se a complementação de contribuição previdenciária após a edição da emenda constitucional 103/2019 autoriza a aplicação da regra de transição do art. 17, do pedágio de 50%, que exige tempo mínimo de contribuição na data de entrada em vigor da emenda”.
O que diz o INSS:
O instituto diz no processo que “a complementação de contribuições realizada após a edição da emenda constitucional 103/2019 contrariaria os artigos 3 e 17 da lei”, ou seja, pagamentos em atraso, feitos após a reforma, não podem valer para que o segurado entre nas regras de transição dos pedágios de 50% e 100%.
O INSS defende ainda que a lei “preservou os direitos adquiridos, assim como fixou regras de transição para aqueles que, apesar de não reunirem os requisitos para o benefício, estavam relativamente próximos de alcançá-los. Assim sendo, permitir o recolhimento posterior para preencher o tempo de contribuição exigido na data de edição da emenda, significaria alterar as regras de transição do texto constitucional.
O que diz a defesa da segurada e o TRF-4:
No TRF-4, ficou entendido que “o recolhimento posterior não altera o tempo de serviço do segurado”, e essa é tese que a defesa usa.
Assim, ainda que não se tenha realizado o pagamento de contribuição no período da prestação do serviço, o pagamento posterior pode ser contabilizado para “satisfação de tempo mínimo de contribuição previsto em regra de transição”.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo
25 de outubro de 2024