Economia tem alta de 1,4%, a maior desde o final de 2020, diz IBGE; analistas elevam projeções para acumulado de 2024
Com impulso da demanda interna, a economia brasileira cresceu acima das projeções de analistas no segundo trimestre de 2024, indicam dados divulgados nesta terça (3) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A alta do PIB (Produto Interno Bruto) chegou a 1,4% ante os três meses iniciais deste ano. Na mediana, o mercado financeiro esperava taxa de 0,9%, conforme pesquisa da agência Bloomberg.
O desempenho mostra uma aceleração do PIB após avanço revisado de 0,8% para 1% no primeiro trimestre. A alta de 1,4% é a maior desde o quarto trimestre de 2020 (3,7%), quando a pandemia deixou a base de comparação fragilizada.
“O crescimento do segundo trimestre está totalmente concentrado na demanda interna, especialmente em consumo das famílias e investimentos”, disse Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.
O PIB está no maior nível da série histórica do instituto, iniciada em 1996. O resultado de abril a junho ocorreu em meio a um contexto de mercado de trabalho aquecido e transferências governamentais.
Após a divulgação dos dados, analistas passaram a enxergar crescimento maior para o acumulado deste ano.
As projeções para o PIB de 2024 agora estão mais próximas de 3%, em patamar similar aos números registrados em 2023 (2,9%) e 2022 (3%).
Conforme Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, o desempenho da atividade econômica neste ano é anabolizado pela expansão de gastos do governo federal.
Isso leva a uma incerteza sobre a sustentabilidade do ritmo de crescimento nos próximos anos, diz o analista. A MB subiu sua projeção de PIB em 2024, de 2,4% para 2,8%, e espera uma desaceleração a 1,8% em 2025.
“Tivemos um resultado [no segundo trimestre] via demanda mais forte, cuja causa é a política fiscal”, afirma Vale. Ele defende a realização de ajuste nas contas para assegurar equilíbrio macroeconômico nos próximos anos.
O economista Claudio Considera, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), diz não ter uma visão pessimista sobre o cenário.
Ele destaca o desempenho positivo de componentes como consumo, investimentos e indústria no segundo trimestre. “A economia está indo muito bem. Está crescendo nos lugares certos.”
Consumo e investimentos em alta
O IBGE disse que tanto o consumo das famílias quanto o do governo cresceram 1,3% ante o primeiro trimestre.
Palis lembrou que a proximidade das eleições municipais costuma impulsionar gastos públicos em anos de campanha, como é o caso de 2024.
Ela também disse que o consumo do governo pode refletir ações de socorro ao Rio Grande do Sul após as enchentes de proporções históricas em maio.
Os investimentos produtivos na economia brasileira, medidos pelo indicador de FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), avançaram 2,1%. Palis associou o resultado a uma combinação de fatores.
Conforme a pesquisadora, o aumento da renda e o acesso a crédito de pessoas físicas podem ter estimulado investimentos na área de construção, que responde por parte da FBCF.
A técnica também citou possíveis aportes do setor relacionados com a demanda de programas como o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e obras municipais antes das eleições.
Ao contrário de períodos recentes, o setor externo agora teve influência negativa para o desempenho da economia. Isso ocorreu porque as importações (7,6%) avançaram mais do que as exportações (1,4%).
Serviços e indústria sobem, agropecuária cai
Pelo lado da oferta, os serviços e a indústria contribuíram para o crescimento do PIB no segundo trimestre. As altas foram de 1% e 1,8%, respectivamente.
A agropecuária (-2,3%), por outro lado, teve queda após problemas climáticos desde o final do ano passado. A ocorrência de ondas de calor e as enchentes no Rio Grande do Sul fazem parte da lista.
“Já era previsto um desempenho ruim neste ano para a agropecuária por causa dos problemas climáticos do ano passado. Teve ondas de calor, muita chuva em alguns lugares, seca em outros. Então, isso prejudicou a safra deste ano”, afirmou Palis.
“Com a tragédia no Rio Grande do Sul, a gente viu que as estimativas, especialmente de soja, lavoura mais importante do Brasil, tiveram um aumento da queda”, acrescentou.
RS tem desempenho em ‘V’, diz técnica
De acordo com Palis, o efeito negativo da tragédia gaúcha ficou mais concentrado na agropecuária. Em outros setores, indicadores econômicos já sinalizaram uma espécie de desempenho em formato de “V”, disse a técnica.
“Vocês viram, até pelas pesquisas conjunturais que a gente [IBGE] divulgou, que o efeito no Rio Grande do Sul foi muito em ‘V’. Teve queda bastante forte em maio e recuperação em junho”, apontou.
PIB mais alto e possível aperto de juros
Julia Gottlieb, economista do Itaú BBA, afirma que o resultado acima do previsto coloca um viés de alta na projeção da instituição de crescimento de 2,5% para este ano. Ela destaca o crescimento acima do esperado do setor público, uma demanda mais resiliente e a recuperação do investimento após resultado negativo em 2023.
A economista afirma que os dados reforçam a expectativa de alta de juros, diante de um crescimento acima do potencial. “A gente ainda tem um cenário de juros parado em 10,5% [ao ano], mas certamente a dinâmica do PIB e as expectativas de inflação não vão na linha de fortalecer essa tese de juros estável”, afirma.
A Fiesp (federação das indústrias de São Paulo) revisou a projeção de crescimento da economia de 2,2% para 2,7% em 2024. Para o PIB da indústria de transformação, a estimativa subiu de 1,5% para 2,5%.
“Um dos fatores que justificam esta revisão altista foi a retomada mais rápida que o esperado da atividade industrial gaúcha após o desastre climático ocorrido entre o fim de abril e o início de maio”, diz a entidade em nota.
Daniel Xavier Francisco, economista do Banco ABC Brasil, afirma que o “carregamento estatístico” garante um crescimento contratado de pelo menos 2,5%, mas que sua expectativa agora é uma alta de 3,3% neste ano.
Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, afirma que o resultado do PIB possui um componente conjuntural, que é o impacto menor das enchentes no Rio Grande do Sul sobre a economia no período, e a questão estrutural dos números positivos do mercado de trabalho. Ela revisou a projeção para o acumulado do ano de 2,5% para 2,9% após a divulgação dos dados.
A economista aponta também que o crescimento do investimento continua superior à expansão do consumo. “Isso é positivo do ponto de vista das implicações para a inflação. Significa que, lá na frente, você vai ter uma capacidade de oferta maior e melhor. De certa forma, contribui para uma elevação do PIB potencial”, afirma Damico.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo
04 de setembro de 2024