Bancos e construtoras disputam recursos bilionários em discussão sobre destinação de recursos do fundo do trabalhador

O governo pretende colocar em funcionamento em janeiro o e-consignado, modalidade que deverá substituir o saque-aniversário do FGTS. As negociações finais estavam previstas para esta semana, mas foram suspensas à espera do anúncio do corte de gastos. A expectativa é que o presidente Lula bata o martelo dez dias após o G20.

No centro dessa mudança está a sobrevivência do FGTS, o bilionário fundo dos trabalhadores que hoje conta com R$ 596 bilhões, mas possui R$ 140 bilhões bloqueados em saques-aniversários antecipados por empréstimos bancários aos trabalhadores.

A indústria da construção pressiona pelo fim dos saques, afirmando que eles comprometem a destinação de recursos à habitação, uma das obrigações do FGTS.

A Febraban, federação dos bancos, defende os saques com o argumento de que eles viabilizam empréstimos com juros muito mais baixos do que os das linhas convencionais.

Lideradas pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) e pelo Secovi-SP (sindicato da habitação de São Paulo), 140 entidades do setor divulgaram um manifesto nesta quarta (13) em que reclamam de uma perda de R$ 121 bilhões no FGTS em saques, dinheiro que barrou 580 mil novas moradias populares, obras que empregariam 1,5 milhão de trabalhadores.

Os bancos divergem. Recentemente, apresentaram dados a ministros próximos ao presidente Lula mostrando que a situação não é tão catastrófica.

De acordo com os dados, até julho deste ano, os trabalhadores sacaram R$ 27 bilhões de suas contas no fundo, que hoje concentra R$ 596 bilhões. Ou seja, os saques representaram 4,5% do saldo total.

Em 2020, quando a modalidade foi lançada, o FGTS contava com R$ 424 bilhões e os saques tomaram R$ 9,8 bilhões (2,3%) do fundo.

Ou seja, o crescimento do saldo no período foi de 40% –ou R$ 172 bilhões. Os saques, entre 2020 e julho deste ano, somaram R$ 121,3 bilhões.

Os bancos usam esses dados para convencer o governo de que o saque-aniversário é uma forma de garantir linhas de crédito com juros mais baixos ao trabalhador.

Hoje, as instituições oferecem a antecipação do saque-aniversário tendo os recursos do FGTS como garantia. Por isso, reduzem os juros da operação em relação a outras linhas de crédito.

O ministério do Trabalho diz que isso é “conversa fiada” e que, se o governo permitir a manutenção do saque-aniversário, o FGTS corre riscos.

Nada disso

No entanto, técnicos do Ministério do Trabalho afirmam que os dados apresentados pela Febraban ao Planalto consideram somente o saldo líquido, descartando os compromissos do fundo.

Por decisão do Supremo Tribunal Federal, o FGTS é obrigado a remunerar seus cotistas, no mínimo, da mesma forma que a poupança (Taxa Referencial mais 3% ao ano).

Segundos relatos apresentados pelo ministro Luiz Marinho (Trabalho) ao presidente Lula, não será possível garantir essa remuneração considerando o fluxo de crescimento do saque-aniversário, que praticamente triplicou no período.

Além disso, o FGTS tem obrigação de destinar recursos para lastrear empréstimos habitacionais e obras de infraestrutura e saneamento, valores que não foram considerados pelas instituições financeiras.

Uma saída de até R$ 300 bilhões

Nos bastidores, o governo considera que os bancos terão muito mais a ganhar com o consignado privado do que com o saque-aniversário.

Um dos principais negociadores pelo governo afirma que as projeções preliminares indicam até R$ 300 bilhões em operações de crédito, mais que o dobro do movimentado pelos saques-aniversários até o momento.

Este será o principal argumento a ser usado pelo governo para convencer o Congresso de que essa opção é mais vantajoso para o governo, o trabalhador e os bancos, que atuam junto aos parlamentares para tentar barrar o fim do saque-aniversário.

Outro problema considerado inadmissível pelo governo é que, pelas regras atuais, ao fazer a antecipação, o saldo do fundo fica totalmente bloqueado durante o período do empréstimo (em geral, dois anos) e o trabalhador não consegue sacá-lo caso seja demitido.

Fonte: Jornal Folha de S.Paulo
15 de novembro de 2024