Promessa de campanha de Lula, medida não deve beneficiar contribuintes com salários acima deste patamar

O Ministério da Fazenda estuda alternativas para cumprir a promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e garantir a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Uma possibilidade em análise é limitar o benefício a quem efetivamente ganha até esse valor por mês, mas haveria uma “rampa” para evitar que trabalhadores que recebem um pouco mais não sejam prejudicados.

O tema está em discussão na pasta de Fernando Haddad antes de ser apresentado a Lula, que irá tomar uma decisão sobre o assunto. O projeto faz parte da agenda de reforma de regras tributárias sobre a renda.

Um deles já foi encaminhado ao Congresso Nacional: a instituição de um imposto mínimo de 15% sobre o lucro das multinacionais em atuação no Brasil . Outro texto trata sobre aplicações financeiras.

No caso da ampliação da isenção do IR, os obstáculos são maiores. O desenho que está sendo feito agora teria um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na receita de impostos. A equipe econômica busca saídas para cumprir a promessa sem prejudicar as contas públicas e quer propor formas de compensação dessa isenção.

É isso que vem travando as discussões. Para técnicos, não há uma saída “óbvia”, como tributação de lucros e dividendos ou aumento de faixas do IR, com alíquotas mais altas para rendimentos maiores.

Desconto simplificado

Foi pensando em evitar um impacto ainda maior na arrecadação que se estuda uma forma de limitar a medida. O recolhimento do Imposto de Renda atualmente é feito por faixas. Hoje, até R$ 2.259,20 do salário de todos não é tributado. Desse valor até R$ 2.826,65, cobra-se 7,5%.

A escadinha segue até que ganhos acima de R$ 4.664,68, que recolhem alíquota de 27,5%. Além disso, há deduções que fazem a alíquota efetivamente cobrada variar.

Essa fórmula de cobrança de imposto impede que simplesmente se aumente a faixa de isenção, pois seria preciso reajustar todas as faixas.

Para isentar quem ganha até dois salários mínimos, o governo criou um modelo com desconto simplificado automático para fazer quem recebe até dois salários mínimos (este ano, R$ 2.824), não pague imposto, mas não isente essa parcela do salário de quem ganha mais do que isso.

Esses números, a faixa de isenção e o desconto precisam ser atualizados todos os anos, quando o salário mínimo é reajustado. No ano que vem, por exemplo, o piso está previsto em R$ 1.509 e, para manter a isenção até o dobro disso, será preciso mudar as regras.

Procurado, o Ministério da Fazenda não comentou.

As contas realizadas por associações e especialistas em contas públicas do impacto fiscal do aumento da isenção variam conforme o modelo que o governo pode adotar. Nos cálculos do economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, somente o aumento da faixa de isenção de dois salários mínimos para R$ 5 mil levaria a uma perda de R$ 10,7 bilhões.

O economista alerta, contudo, que esse é um cálculo conservador, pois não considera o “transbordamento” das medidas para as demais faixas.

— A hipótese de alteração focalizada nos que ganham até essa renda (R$ 5 mil) nos parece pouco realista em termos de custo fiscal. Provavelmente o governo combinará a isenção com mudanças nas outras faixas.

Considerando que a próxima faixa ficaria bastante próxima do teto da isenção e a progressividade fosse mantida, como ocorre hoje com as alíquotas incidindo sobre partes do salário, o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, estima que a mudança levaria a uma renúncia de arrecadação de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões.

— É um custo muito alto, diria que é proibitivo sem uma ampla reforma de todo o imposto, incluindo a criação de novas faixas de tributação, de 35%, e mudanças em deduções de saúde e educação e isenções, como de dividendos.

Caso toda renda que ultrapasse R$ 5 mil seja tributada em sua totalidade, sem as escadas das faixas como existe hoje que vão de 7,5% a 27,5%, o economista da XP diz que o impacto fiscal seria menor, mas a medida criaria um incentivo ao achatamento de salários, ou seja, haveria preferência para ganhar até R$ 5 mil.

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva, critica a “criatividade” que vem sendo adotada pelo governo para aumentar a faixa de isenção sem corrigir toda a tabela do IR.

— O governo pode adotar alguma criatividade para chegar até R$ 5 mil. Mas teria que ser bastante criativo, porque uma faixa vai atropelando a outra. Acho difícil que isso aconteça.

Se toda a tabela do IR fosse revista, a Unafisco estima que a perda de arrecadação chegaria a R$ 211,64 bilhões. Nesse caso, o teto da isenção seria de R$ 5.084,04. E a faixa mais elevada começaria em R$ 12.455,71, mantendo as alíquotas atuais. Silva reconhece que o custo fiscal para a União é elevado, mas afirma que a correção teria de ser feita paulatinamente, combinando, na outra ponta, com a retomada da tributação de dividendos, por exemplo.

Aplicações financeiras

Nas suas contas, a taxação de 15% dos dividendos poderia render aos caixas do governo R$ 150 bilhões em 2024, enquanto o congelamento da tabela desde 1996 cria uma sobrecarga sobre a classe média de mais de R$ 200 bilhões, nos cálculos da associação.

Na agenda de reforma da renda, um projeto que já está pronto e próximo a ser enviado ao Congresso é o que trata de tributação de aplicações financeiras. Entre as propostas está reduzir de 20% para 15% a alíquota cobrada nas chamadas operações de day trade, quando a compra e a venda das ações ocorre no mesmo dia — a alíquota seria a mesma da aplicação de prazo maior.

Fonte: Jornal O Globo
07 de outubro de 2024